"Laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même"

terça-feira, 29 de abril de 2014

Uma breve reflexão quanto às Câmaras Especializadas em Direito do Consumidor

Primeiramente, tenhamos em vista, dentro da perspectiva liberal, um pressuposto: a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é intrinsecamente ruim, pois interfere diretamente em um dos seus básicos pilares, o da troca livre. Pressupõe-se a existência de partes hipossuficientes em relações voluntárias e que elas devem ser protegidas através de benefícios e regulamentações advindas do Estado e seu planejamento central. No momento, ter-se-á como premissa que essas intervenções não geram valor nem protegem ninguém.

O objetivo aqui é analisar a recente criação[1] das Câmaras Especializadas em Direito do Consumidor no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Naturalmente, seriam competentes esses órgãos para apreciar as causas que versem sobre Direito do Consumidor, o que nos leva direto a seguinte questão: como funcionaria esse recorte? Nada contra a especialização do Judiciário em segmentos (o que, de forma geral, parece uma idéia potencialmente benéfica), mas não se pode ignorar os desdobramentos dessa lógica ao caso em comento.

O primeiro passo é recorrer ao próprio CDC para procurar as suas definições sobre os principais conceitos do direito consumerista, o que já é, destarte, preocupante. Posto que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; fornecedor é toda é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços; produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, e; serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, percebe-se a abrangência e abertura textual dos mesmos.

Assim, combinando-se esta opção legislativa ao fato de que quase tudo no mundo contemporâneo constitui consumo, o desastre estava anunciado: na primeira semana de funcionamento da nova organização judiciária, apurou-se distribuição média de 24 processos para os Desembargadores das Câmaras Especializadas e de 03 processos para os Desembargadores das Câmaras Cíveis[2]. Por óbvio, algo de errado e inviável a nível prático, mas mesmo a teoria aqui se revela preocupante.

Com tantos processos sendo distribuídos ou tendo sua competência declinada para as Câmaras especializadas, nas quais se percebe a preponderância da aplicação do CDC - mesmo em causas complexas que atraem a si a aplicação de diferentes legislações -, quantos casos não estão tomando rumos diferentes do usual? Preocupante perceber o avanço da interferência estatal nas trocas voluntárias através da crescente aplicação de um código tão interventor como é o CDC nos mais diversos e diferentes campos da sociedade.




[1] Lei estadual nº 6375, de 27 de dezembro de 2012.
[2] Resolução TJ / OE / RJ nº 34/2013

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Um projeto liberal para as drogas, por João Manoel Nonato

As drogas estão em alta. Talvez a discussão acerca da descriminalização/legalização das drogas nunca tenha assumido tamanha proporção em nossa época como agora. Medidas inéditas têm sido tomadas; estudos científicos inovadores têm sido produzidos; fatos históricos têm-se consolidado. A legalização do uso e comércio da maconha no Uruguai e nos estados americanos de Colorado e Washington – além de acontecimentos chocantes, como a morte do ator Philip Seymour Hoffman por uma suposta overdose de heroína – garantiram que o assunto permanecesse, nos últimos tempos, tanto nas páginas dos jornais quanto na boca das pessoas e nas pautas dos políticos.

Mas, afinal, em termos de políticas públicas, qual é a melhor forma de lidar com a questão das drogas? Proibí-las ou liberá-las? E, se a solução for a liberação, como esse processo deve ser efetivado? Que drogas devem ser legalizadas, com base em quais critérios? Que ressalvas devem ser feitas? Como regular o uso e o comércio? Qual modelo de comercialização deve ser utilizado?

1.      Em defesa da descriminalização das drogas

As perguntas são muitas, e algumas respostas são ainda incertas. Mas dados e argumentos apontam, já com certa clareza, as vantagens da descriminalização/legalização das drogas. É isso que defenderei nesse texto. Eu defendo que todas as drogas deveriam ser descriminalizadas, e algumas (a maconha é o exemplo óbvio) deveriam ser de fato legalizadas para livre comércio e uso, tendo por base alguns critérios regulativos (tal como já ocorre com tabaco, álcool, farmacêuticos etc).

O primeiro argumento a ser invocado é o argumento do livre uso da propriedade privada. Oras, se somos donos de nossos corpos e nossas vidas, temos soberania sobre eles: cabe a cada um de nós, e a cada um de nós apenas, decidir o que entra em nossos corpos – seja qual for a substância, seja qual for o meio. Mas reconheço que esse argumento é insuficiente e até um tanto ingênuo. Afinal, muitas drogas são conhecidas por tirarem do indivíduo seu autocontrole e seu poder de decisão, aumentando as chances de causarem danos sociais, para além de seu próprio corpo e de sua própria vida – fato que deve ser levado em consideração com bastante peso nesse debate. O gráfico abaixo ilustra essa ideia de forma clara. Curiosamente (ou talvez não), o álcool é considerado a droga com maior potencial de causar danos sociais:


De todo modo, a descriminalização total das drogas não é apenas uma questão de liberdade individual. É, sobretudo, uma questão de eficiência no tratamento e na prevenção do vício (que é o que deveria ser o verdadeiro foco do "combate às drogas"). Com efeito, a descriminalização das drogas, acoplada a uma mudança de foco das políticas públicas – do campo da segurança pública para o campo da saúde pública –, parece apresentar diversas vantagens nesse sentido.

2.      Descriminalização e eficiência de políticas de saúde pública

Por exemplo, como explica um recente artigo da The Economist, a Suíça e a Holanda, nos anos 2000, foram pioneiras em adotar, como política nacional de saúde pública, um "Tratamento Assistido de Heroína" (HAT, na sigla em inglês). Em paralelo à descriminalização da heroína, foram instaladas "salas de injeção" em hospitais públicos, onde viciados podem adquirir e injetar heroína sem que paguem nada, sob supervisão médica – e, se assim desejarem, podem iniciar um tratamento que inclui o uso de drogas substitutas como a metadona. A maioria dos viciados acaba por se tratar.

Nesses países, com a presença do sistema HAT, o uso de heroína decaiu drasticamente; a incidência de novos usuários tende a zero, e a idade média dos usuários vem aumentando. Crimes relacionados a drogas também decaíram sensivelmente, bem como mortes relacionadas ao uso de heroína ou infecção de HIV. A facilidade de aquisição da heroína em ambiente seguro, o uso supervisionado da droga, a abordagem mais efetiva para a participação em tratamentos, e o maior conforto dos usuários em admitir seu vício e buscar ajuda são alguns dos fatores que contribuíram para esses resultados – os quais também parecem ser influenciados pela legalização da maconha, que tende a separar o usuário de maconha de outras drogas mais pesadas.

Outro argumento em favor da legalização das drogas é que, assim, elas podem ser reguladas e ter algum tipo de controle de qualidade, o que traz mais segurança ao usuário. Ao contrário da heroína oferecida pelo sistema HAT, a droga encontrada nas ruas é muitas vezes impura e contém substâncias muito mais prejudiciais à saúde do que a droga "original" – por exemplo, fentanil, que tem sido misturado à heroina e é 50-80 vezes mais potente que morfina. Como no mercado negro não existe regulação, controle de qualidade, ou proteção contra fraudes, o usuário de drogas acaba por comprar produtos adulterados, ainda mais perigosos, sem que sequer saiba disso, aumentando exponencialmente os riscos de uma overdose ou outros problemas de saúde.

Em suma, a descriminalização das drogas (e a efetiva legalização de drogas menos pesadas), acoplada à ampliação do acesso a programas de saúde, parece, portanto, ser mais eficaz no tratamento e prevenção do vício em drogas. Também parece servir para proteger o usuário de incidentes relacionados ao consumo de drogas e garantir algum tipo de controle de qualidade das substâncias consumidas. Tudo isso leva a um cenário onde há menos mortes e menos crimes relacionados às drogas – havendo, também, um gasto mais eficiente dos recursos públicos destinados a essa questão, os quais seriam enfim alocados no campo da saúde, que é, de fato, a verdadeira raiz dos problemas.

3.      O fim da (literal) guerra às drogas

Colocando de outra forma, talvez mais clara: mudando o foco da questão das drogas do campo da segurança pública para o campo da saúde pública, seria possível evitar que se continuassem gastando milhões e milhões com uma verdadeira guerra – que, para além dos altíssimos custos financeiros, também acarreta elevados custos humanos. A política antidrogas, desde sempre fadada ao fracasso, tem como maior legado a marginalização e criminalização de uma parcela da população majoritariamente pobre e negra – um resultado talvez não esperado, mas ainda evidente e preocupante.

De fato, não surpreendentemente, a maioria dos presos no Brasil cometeram crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes. Nos Estados Unidos, não é diferente. A taxa de encarceramento aumentou exponencialmente desde o começo da "Guerra às Drogas", nos anos 70, tendo como alvo sobretudo os negros e hispânicos. A correlação entre política antidrogas e encarceramento é óbvia, mas nem um pouco eficaz. Em suma, os custos humanos da política antidrogas são muito mais altos do que seriam os custos de uma política de liberalização das drogas. E, ainda por cima, são custos muito mal distribuídos entre a sociedade – reflexo da iniquidade da justiça criminal. Os gráficos abaixo ilustram com clareza a situação:






Os benefícios da política antidrogas, por outro lado, são praticamente invisíveis, e ainda mais mal distribuídos na sociedade: não se conseguiu frear o consumo de drogas (pelo contrário!), causaram-se muito mais mortes, e gastou-se muito mais dinheiro, material e pessoal. Ademais, ironicamente, essa política cria seu próprio inimigo, já que indiretamente incentiva a criação e o fortalecimento do tráfico, de carteis e de mercados negros, uma vez que, com a proibição das drogas, aos usuários não restam quaisquer alternativas legais no livre mercado.

4.      A livre comercialização das drogas

Outra questão importante de ser discutida, uma vez assumidas as vantagens da descriminalização/legalização das drogas, é o modelo de comercialização da maconha (e outras drogas, porventura). Sendo um nicho de mercado como qualquer outro, as drogas, uma vez legalizadas, estariam sujeitas a mecanismos de oferta e demanda – sendo, portanto, bastante receptivas ao livre mercado. Nesse sentido, a opção do Uruguai pelo monopólio estatal na comercialização da maconha não parece ser a mais adequada.

Sendo pré-definido algum tipo de regulamentação que ditasse critérios mínimos de qualidade e afins, a comercialização e distribuição das drogas deveria ser descentralizada, estimulando-se a competição e o surgimento de pequenos e médios empreendedores nesse mercado. Isso traria diversas externalidades positivas, tais como o fortalecimento de economias locais, e mesmo nacionais (principalmente em se tratando da maconha, que possui diversas utilidades para além do uso recreacional). No longo prazo, também haveria a tendência dos preços baixarem e das opções disponíveis aumentarem, devido aos incentivos mercadológicos à competição e à inovação. Por essa mesma razão, a qualidade das drogas também tenderia a se manter alta, até mesmo independentemente de leis e regulações.

Outra razão para se defender a solução do livre mercado é o aumento do poder de agência do consumidor: ele poderia escolher onde comprar, que "tipo" comprar, quanto comprar, quando comprar, como comprar. O mercado, por sua vez, seria moldado conforme as preferências dos consumidores, refletindo-as – da mesma forma que reflete, através do sistema livre de preços, as relações de oferta e demanda em geral. Informações sobre oferta, demanda e preferências dos consumidores são de suma importância para a formação de um mercado relativamente estável e previsível, o que pouparia custos de todo tipo (inclusive aqueles relacionados a conhecimento e procura pelo produto) tanto aos consumidores quanto aos produtores e distribuidores de drogas.

Diante dessas vantagens econômicas, somadas às vantagens sociais e jurídicas, diminui-se a probabilidade de surgimento ou manutenção de mercados negros. Com efeito, o livre comércio de drogas cortaria grande parte das receitas do tráfico. Um estudo afirma que apenas a legalização da maconha nos estados americanos de Colorado, Washington e Oregon já diminuiria em 30% os lucros dos cartéis mexicanos.

5.      A taxação das drogas

A taxação de drogas é outra questão delicada, e que deve ser discutida a fundo, já que pode ter grave influência sobre o funcionamento desse nicho de mercado. Uma das óbvias razões para a taxação pesada de tais produtos é o desestímulo ao seu uso, tal como já ocorre com álcool e tabaco (impostos compõem quase 30% do preço final de um maço de cigarros). Isso ocorre porque drogas em geral são consideradas "bens demeritórios", isto é, bens socialmente indesejáveis e/ou que trazem muitas externalidades negativas. Outra razão para a taxação alta é garantir ao governo uma alta receita gerada pela tributação – a qual poderia ser usada para se investir em políticas relacionadas às drogas (prevenção, conscientização, tratamento etc).


A própria eficácia ou legitimidade da política de taxação para cumprir seus supostos objetivos pode ser questionada, em outras linhas de crítica. A questão crucial aqui, no entanto, é determinar o ponto de otimalidade da taxação - isto é, o máximo que os indivíduos estariam dispostos a pagar de taxas, garantindo o máximo de arrecadação ao Estado e evitando que os indivíduos recorram a meios de escapar da taxação. O grande problema de sobretaxar produtos como drogas, obviamente, é que os consumidores (sobretudo os mais pobres) podem acabar preferindo, dentre outras alternativas, comprá-las a preços substancialmente menores no mercado negro – o que colocaria em risco as vantagens e o próprio projeto do livre comércio de drogas.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A mercadoria educação, por João Manoel Nonato

O avanço e o aprofundamento das oportunidades educacionais são, sem dúvidas, algumas das principais formas de redução das fontes de desigualdade socioeconômica e de ampliação das liberdades individuais substantivas. Por outro lado, a violência - e, sobretudo, a violência institucionalizada do aparato estatal, que age sob o mito da legitimidade - é, ela própria, fonte de desigualdades e negadora de liberdades individuais.

Nos recentes embates entre professores e polícia militar, não tenho dúvidas de qual lado comete os maiores pecados: é, claro, a polícia - e, por trás dela, todo o aparato estatal, com sua administração falha, sua burocracia ineficiente, seus interesses particularistas e, o que é pior, seu desrespeito pela liberdade e pelos direitos dos cidadãos. E, no entanto, isso não significa que os professores estejam tomando uma posição virtuosa.

Embora suas reivindicações sejam justas ou, no mínimo, dignas de ser ouvidas, elas se fundam sobre uma mentalidade essencialmente estatizante e, portanto, parecem querer corrigir um erro cometendo mais do mesmo erro. Tal mentalidade - provavelmente trazida pelos grupos de militância que tanto povoam sindicatos e coisas afins - pode ser resumida numa premissa que, a essa altura, já se tornou slogan: "Educação não é mercadoria". Quanto a isso, peço que sigam esse raciocínio:

(1) Mercadoria é todo bem que pode ser vendido e comprado.
(2) Educação não é mercadoria.
(3) Se educação não é mercadoria, então ela não pode ser vendida ou comprada.
(4) Se ela não pode ser vendida, isso significa que, na melhor das hipóteses, deve ser provida gratuitamente.
(5) Das premissas 3 e 4 conclui-se que não se pode receber um pagamento, qualquer que seja, em troca do fornecimento de educação.
(6) E, afinal, se não se pode receber pagamento em troca do fornecimento de educação, então professores não podem nem sequer ser assalariados.

O raciocínio me parece correto em sua lógica interna, mas leva a uma conclusão bastante contraditória. A única forma, a meu ver, de não se chegar a essa conclusão errônea é descartando a premissa ainda mais errônea de que educação não é mercadoria. Pode-se fazer isso, basicamente, por duas grandes vias.

A primeira delas é estatizante: nesse caso, educação é mercadoria, mas não é passível de troca entre indivíduos privados e, portanto, deve ser fornecida pelo Estado. Mas essa ideia leva a alguns questionamentos. Primeiro, por que o fornecimento educação deveria ser algum tipo de monopólio estatal? O que justificaria tamanha restrição? E, em segundo lugar, se quem sustenta o Estado somos nós, indivíduos privados, por que não aceitar que essa troca ocorra diretamente entre indivíduos privados, eliminando o Estado como intermediário - e, com isso, todos os problemas administrativos, burocráticos e financeiros que surgem com o aparato estatal? A rigidez de salários, que afeta os professores atualmente, é um sintoma claro dos defeitos da solução estatizante; para não falar da falta de incentivos à eficiência, à variedade e à qualidade do processo educativo - tudo consequência, ao menos em parte, da alienação da educação dos processos dinâmicos de mercado.

São esses questionamentos que levam à segunda grande solução, a solução privada mercadológica: aceita-se que educação é sim mercadoria – e das mais importantes – e que seu valor, portanto, pode (ou até deve) ser responsivo às dinâmicas de um mercado competitivo. Isso permitiria,
no quadro geral, mais eficiência de resultados, mais oportunidade e variedade de opções, e, afinal, mais flexibilidade de salários para os professores. A generalização da educação privada é uma situação win-win: ganham professores, alunos e pais. Ganha a sociedade: cidadãos bem educados são, afinal, um bem público.

Por fim, a solução mercadológica não ignora a existência de famílias carentes que não necessariamente podem pagar por serviços privados de educação. Diminuição de impostos e facilidade para o empreendimento já facilitariam bastante as coisas, mas, além disso, podem e devem existir políticas públicas de caráter distributivo, tais como aquelas sugeridas por Milton Friedman: o imposto de renda negativo e o fornecimento de cartas de crédito (vouchers) para famílias carentes. As possibilidades são diversas. A educação, afinal, é muito preciosa para ser negada a alguém - e, certamente, é muito preciosa para ficar nas mãos do Estado.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Voz do Brasil: resquício autoritário

Pense na imprensa como um enorme teclado no qual o Governo pode tocar” - Joseph Goebbels (Ministro da Propaganda, na Alemanha Nazista).

O primeiro passo para se entender a Voz do Brasil, o programa de retransmissão obrigatória pelas rádios brasileiras no horário das 19 às 20h, é analisar as suas origens. Criado em 1935, com o nome de Programa Nacional, assume seu caráter autoritário quando, valendo-se do artigo 180 da Constituição de 1937, o qual permitia ao Presidente da República legislar sobre todas as matérias da competência da União enquanto o Parlamento Nacional não fosse reunido, Getúlio Vargas baixou o Decreto-Lei 1.915/39, fundamento normativo do referido programa.

Assim, instituiu-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (D.I.P.), órgão de clara inspiração nazi-fascista, como bem se poder deduzir da análise de algumas das suas prerrogativas, como:

I- centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades púbicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional;

II- fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de rádio-difusão, da literatura social e política, e da imprensa, quando a esta forem cominadas as penalidades previstas por lei;

III - proibir a entrada no Brasil de publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, e interditar, dentro do território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito do país e suas instituições ou a moral;

É no meio dessas funções que encontramos o embrião da Voz do Brasil, na seguinte passagem: “organizar e dirigir o programa de rádio-difusão oficial do Governo”. Bem evidente o contexto autoritário no qual surge o referido programa, mero instrumento de propaganda estatal.

É em 1962, através da edição do Código Brasileiro de Telecomunicações, que a sua reprodução se torna oficialmente obrigatória, das 19 às 20 horas. É exatamente essa obrigatoriedade que deve ser questionada: como pode a nossa sociedade, em pleno século XXI, era da internet e da diversidade dos meios de comunicação, aceitar que o governo nos obrigue a – caso optemos pela rádio – ouvir única e exclusivamente determinado programa, em um horário tão crucial como o das 19 às 20 (rush, muitos voltando para casa em seus carros)?

Além da óbvia questão da liberdade de expressão, alicerce do que concebemos como democracia, existem diversos estudos que apontam o atual fracasso do programa, como a brusca queda de audiência no respectivo horário. A população, através da mais eficiente avaliação que há (a demanda), evidencia a sua rejeição.



Existem diversos projetos de lei que buscam flexibilizar / acabar de vez com o referido programa, mas não é interessante a governo algum (seja ele tucano ou petista, antes que venham me criticar) aprovar tais iniciativas, pois ao Estado é extremamente benéfico ter em mãos tal ferramenta de propaganda. Uma vez mais, nós que saímos no prejuízo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reforma Tributária: a hipocrisia declarada

Já faz alguns anos que se tornou lugar comum defender uma reforma tributária por aqui. Especialistas (tanto economistas como juristas ou sociólogos) já cansaram de expor seus argumentos, sendo o tema volta e meia levantado pela mídia. Até o governo, seja por declarações de membros do Executivo ou do Legislativo, já chegaram a reconhecer isso, ainda que não tenhamos visto qualquer esforço significativo para se resolver o problema. Nada surpreendente, tratando-se do governo brasileiro - é muita retórica para pouca prática.

Particularmente, acredito que a aprovação da lei 12.741/2012 (também conhecida como ‘De Olho no Imposto’), que tem como objetivo tornar claro à população, através dos documentos fiscais ou equivalentes, o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais que estão sendo arrecadados, tenha sido um belo avanço. Afinal, acredito que, vendo rotineiramente a elevada parcela que se paga ao Estado, os cidadãos comecem a cobrar e pressionar ainda mais pela necessária reforma tributária.

Procurando mais informações sobre a lei, eis que me deparo com um projeto de Decreto regulamentador dessa norma, submetidos à apreciação da Presidente Dilma pelos Ministro de Estado da Fazenda e Ministro de Estado da Justiça, Guido Mantega (uma lástima, diga-se de passagem) e José Eduardo Cardozo, respectivamente. As justificativas do decreto seriam cômicas, se não fossem trágicas.

Quando ao dispositivo da lei que exige que conste na nota fiscal o valor estimado dos tributos federais, estaduais e municipais separadamente (o que permite ao cidadão que saiba a qual ente federativo direcionar suas críticas), fez-se o seguinte comentário: “Devido à complexidade do sistema tributário nacional, inviável será fazer a estimativa dos valores dos tributos federais, estaduais e municipais, separadamente”. 

Quanto à referida estimativa do valor dos tributos, há dispositivo que admite uma margem de erro no cálculo corresponde a 10% (dez por cento). Teceu-se o seguinte comentário sobre o mesmo: “Contrário, pois como se trata de valor aproximado, não é possível estimar uma margem de erro, já que o sistema tributário brasileiro é complexo”. Ora, se estamos falando de uma estimativa, deve-se ter o mínimo compromisso com a precisão, sendo uma margem de erro de 10% bem razoável! Querem errar à vontade?!

Enfim, além deste ponto, evidencia-se que o próprio governo reconhece a complexidade da carga tributária nacional, ao ponto de inviabilizar que se calcule o peso dela no preço final do produto. Agora imagine o trabalho que isso dá aos empresários brasileiros, que precisam recolher esses impostos e prestar contas - naturalmente, gasta-se muito com contadores e advogados tributaristas, o que eleva ainda mais os gastos das empresas e, consequentemente, o valor final repassado ao consumidor.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma crítica espontânea às normas programáticas


            
Segundo Paulo Gustavo Monet Branco, as normas programáticas são aquelas que “traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico”¹. Mesmo que de forma discreta, há aqui uma escolha político-ideológica quanto ao papel do Estado e das políticas públicas, deixando clara a propensão dirigente de nossa Constituição.

            A finalidade desse conjunto de normas é o de conduzir nossa sociedade a uma outra previamente idealizada e objetivamente melhor, na qual o bem comum - entendido este como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, conceito do Papa João XXIII e reproduzido por Dalmo Dallari² - seria plenamente concretizado. O problema é que existem diversas complicações quanto a isso, tanto teóricas quanto práticas. Só se se torna possível planejar essa sociedade ideal se considerarmos, objetivamente, que certos valores são essenciais e imprescindíveis, o que vai de encontro às visões subjetivas de mundo e as diferentes aspirações que os indivíduos possuem; cada um possui seus objetivos particulares e um conceito próprio de felicidade. Não são meras peças de xadrez que um planejador central – o Estado – possa dispor como bem entender.

            Esse trabalho de planejamento social, chamado por Friedrich August von Hayek de Racionalismo Construtivista³, falha por pressupor que seja possível ao planejador conhecer todos os fatores e eventuais variáveis necessárias à consecução do projeto. Infelizmente, ou não, a realidade é que a onisciência é negada à humanidade, o que torna essa construção uma mera miragem. Não é surpreendente então a ineficácia generalizada dessas normas, como se pode facilmente conferir no disposto sobre o salário-mínimo no Art. 7º, IV da CRFB/88, que deveria ser um direito do trabalhador “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Podemos ir ainda mais longe e mostrar que ela só não é cumprida, como também é contrariada quando o reajuste do mesmo é abaixo da inflação e, consequentemente, reduz o poder aquisitivo deste assalariado; foi o que aconteceu em 2011.

            Existem razões de ordem político-econômica para esse efeito. Economicamente, o Brasil não possui condições para impor um salário que satisfaça todas essas necessidades previstas na norma sem que o mercado do país quebre; politicamente, existem forças e lobbies que também embarreiram a questão. É exatamente com relação a isso que F.A. Hayek afirma que o conhecimento humano é, na melhor das hipóteses, fragmentário e sujeito às imperfeições de nossa percepção; o que nos remete uma vez mais à impossibilidade do planejamento centralizado.  Pensar diferente seria o que o autor define como pretensão do conhecimento.

            Portanto, verdadeiramente justa é a ordem espontânea, na qual cada indivíduo pondera as suas prioridades – o que é competência exclusiva dele – e cria seu projeto de vida, com seus objetivos próprios e seu conceito singular de felicidade. Cabe então ao Direito assegurar que os indivíduos poderão buscá-los em paz, sem priorizar nem beneficiar qualquer um deles. Posicionamento que pode, sem dúvidas, ser sintetizado nessas palavras:

“Defender a liberdade não significa opor-se à organização, que constitui um dos meios mais poderosos que a razão pode empregar, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou monopólica, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem apresentar melhores soluções”.


¹ MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 73. 
² DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 91.
³ O conceito consiste na crença dos planejadores centrais de que eles poderiam conhecer todos os fatores sociológicos a partir da razão e assim definir não só a sociedade ideal, mas também o processo para alcançá-la. Essa teoria começou com Descartes e foi posteriormente aprimorada por Marx e Hegel. HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.
4  HAYEK, F. A. Os Fundamentos da Liberdade. São Paulo: Visão, 1983, p.36.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pedágios: o que a gente vê?


Abro o Globo.com e vejo logo na capa a seguinte notícia: “Governador de SP suspende reajuste do pedágio nas rodovias estaduais”. Lamento aquilo que a maioria certamente está comemorando.

Como informado no próprio corpo da notícia, o reajuste já estava contratualmente marcado para o dia 1º de Julho. Além disso, o valor do reajuste também estava contratualmente combinado, sendo o IGP-M (que calculou a inflação acumulada em 12 meses em 6,22%).

O respeito aos contratos é essencial para a segurança econômica do país, já que os investidores apenas se sentem tranquilos para aportar seu dinheiro por aqui quando estão certos de que o combinado será cumprido e as regras do jogo serão respeitadas. Esse princípio, além de muito antigo (não a toa, está consagrado no brocardo latino pacta sunt servanda) é essencial na práxis comercial, sendo um requisito para a eficácia de todo o sistema.

Assim, sabendo o governo que não pode apenas ignorar o reajuste, já que isso resultaria em ações judiciais nas quais certamente sairia derrotado, ele contorna a situação negociando com as concessionárias – as quais possuem os contratos ao seu lado, cabendo-lhes aceitar os acordos apenas se os considerarem mais benéficos. Naturalmente, podem acreditar que quem sai perdendo não é o governo nem as empresas nesses acordos.

Por exemplo, vejamos uma das medidas acordadas para se compensar o prejuízo: “O governo pretende repor a perda de receitas com a cobrança do número de eixos dos caminhões - atualmente, os veículos podem suspender alguns eixos durante a parada nas praças de pedágio”. Parece apenas um detalhe, mas os veículos pesados respondem por até 80% da arrecadação de algumas rodovias – ou seja, essa cobrança extra quanto aos eixos certamente será uma bolada!

Por que o governo topa isso? Simples, são poucos caminhões e muitos carros, sendo que estes condutores ficarão bem felizes em não ver o seu pedágio mais caro e menos irritados com o governo de São Paulo (bingo!, aí sim vi vantagem eleitoral). Obviamente, são bobos e ingênuos, pois Frédéric Bastiat já nos ensinou que a economia é “o que se vê e o que não se vê”. Neste caso, o que não estamos vendo?

Não estamos vendo que o transporte rodoviário é o mais importante deste país, sendo que o aumento da cobrança desses pedágios será embutido dentro dos custos dos produtos e repassado ao consumidor final: eu, tu, eles, nós, vós, eles. No final, a gente que sempre paga a conta mesmo.

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