"Laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même"

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A mercadoria educação, por João Manoel Nonato

O avanço e o aprofundamento das oportunidades educacionais são, sem dúvidas, algumas das principais formas de redução das fontes de desigualdade socioeconômica e de ampliação das liberdades individuais substantivas. Por outro lado, a violência - e, sobretudo, a violência institucionalizada do aparato estatal, que age sob o mito da legitimidade - é, ela própria, fonte de desigualdades e negadora de liberdades individuais.

Nos recentes embates entre professores e polícia militar, não tenho dúvidas de qual lado comete os maiores pecados: é, claro, a polícia - e, por trás dela, todo o aparato estatal, com sua administração falha, sua burocracia ineficiente, seus interesses particularistas e, o que é pior, seu desrespeito pela liberdade e pelos direitos dos cidadãos. E, no entanto, isso não significa que os professores estejam tomando uma posição virtuosa.

Embora suas reivindicações sejam justas ou, no mínimo, dignas de ser ouvidas, elas se fundam sobre uma mentalidade essencialmente estatizante e, portanto, parecem querer corrigir um erro cometendo mais do mesmo erro. Tal mentalidade - provavelmente trazida pelos grupos de militância que tanto povoam sindicatos e coisas afins - pode ser resumida numa premissa que, a essa altura, já se tornou slogan: "Educação não é mercadoria". Quanto a isso, peço que sigam esse raciocínio:

(1) Mercadoria é todo bem que pode ser vendido e comprado.
(2) Educação não é mercadoria.
(3) Se educação não é mercadoria, então ela não pode ser vendida ou comprada.
(4) Se ela não pode ser vendida, isso significa que, na melhor das hipóteses, deve ser provida gratuitamente.
(5) Das premissas 3 e 4 conclui-se que não se pode receber um pagamento, qualquer que seja, em troca do fornecimento de educação.
(6) E, afinal, se não se pode receber pagamento em troca do fornecimento de educação, então professores não podem nem sequer ser assalariados.

O raciocínio me parece correto em sua lógica interna, mas leva a uma conclusão bastante contraditória. A única forma, a meu ver, de não se chegar a essa conclusão errônea é descartando a premissa ainda mais errônea de que educação não é mercadoria. Pode-se fazer isso, basicamente, por duas grandes vias.

A primeira delas é estatizante: nesse caso, educação é mercadoria, mas não é passível de troca entre indivíduos privados e, portanto, deve ser fornecida pelo Estado. Mas essa ideia leva a alguns questionamentos. Primeiro, por que o fornecimento educação deveria ser algum tipo de monopólio estatal? O que justificaria tamanha restrição? E, em segundo lugar, se quem sustenta o Estado somos nós, indivíduos privados, por que não aceitar que essa troca ocorra diretamente entre indivíduos privados, eliminando o Estado como intermediário - e, com isso, todos os problemas administrativos, burocráticos e financeiros que surgem com o aparato estatal? A rigidez de salários, que afeta os professores atualmente, é um sintoma claro dos defeitos da solução estatizante; para não falar da falta de incentivos à eficiência, à variedade e à qualidade do processo educativo - tudo consequência, ao menos em parte, da alienação da educação dos processos dinâmicos de mercado.

São esses questionamentos que levam à segunda grande solução, a solução privada mercadológica: aceita-se que educação é sim mercadoria – e das mais importantes – e que seu valor, portanto, pode (ou até deve) ser responsivo às dinâmicas de um mercado competitivo. Isso permitiria,
no quadro geral, mais eficiência de resultados, mais oportunidade e variedade de opções, e, afinal, mais flexibilidade de salários para os professores. A generalização da educação privada é uma situação win-win: ganham professores, alunos e pais. Ganha a sociedade: cidadãos bem educados são, afinal, um bem público.

Por fim, a solução mercadológica não ignora a existência de famílias carentes que não necessariamente podem pagar por serviços privados de educação. Diminuição de impostos e facilidade para o empreendimento já facilitariam bastante as coisas, mas, além disso, podem e devem existir políticas públicas de caráter distributivo, tais como aquelas sugeridas por Milton Friedman: o imposto de renda negativo e o fornecimento de cartas de crédito (vouchers) para famílias carentes. As possibilidades são diversas. A educação, afinal, é muito preciosa para ser negada a alguém - e, certamente, é muito preciosa para ficar nas mãos do Estado.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Voz do Brasil: resquício autoritário

Pense na imprensa como um enorme teclado no qual o Governo pode tocar” - Joseph Goebbels (Ministro da Propaganda, na Alemanha Nazista).

O primeiro passo para se entender a Voz do Brasil, o programa de retransmissão obrigatória pelas rádios brasileiras no horário das 19 às 20h, é analisar as suas origens. Criado em 1935, com o nome de Programa Nacional, assume seu caráter autoritário quando, valendo-se do artigo 180 da Constituição de 1937, o qual permitia ao Presidente da República legislar sobre todas as matérias da competência da União enquanto o Parlamento Nacional não fosse reunido, Getúlio Vargas baixou o Decreto-Lei 1.915/39, fundamento normativo do referido programa.

Assim, instituiu-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (D.I.P.), órgão de clara inspiração nazi-fascista, como bem se poder deduzir da análise de algumas das suas prerrogativas, como:

I- centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades púbicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional;

II- fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de rádio-difusão, da literatura social e política, e da imprensa, quando a esta forem cominadas as penalidades previstas por lei;

III - proibir a entrada no Brasil de publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, e interditar, dentro do território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito do país e suas instituições ou a moral;

É no meio dessas funções que encontramos o embrião da Voz do Brasil, na seguinte passagem: “organizar e dirigir o programa de rádio-difusão oficial do Governo”. Bem evidente o contexto autoritário no qual surge o referido programa, mero instrumento de propaganda estatal.

É em 1962, através da edição do Código Brasileiro de Telecomunicações, que a sua reprodução se torna oficialmente obrigatória, das 19 às 20 horas. É exatamente essa obrigatoriedade que deve ser questionada: como pode a nossa sociedade, em pleno século XXI, era da internet e da diversidade dos meios de comunicação, aceitar que o governo nos obrigue a – caso optemos pela rádio – ouvir única e exclusivamente determinado programa, em um horário tão crucial como o das 19 às 20 (rush, muitos voltando para casa em seus carros)?

Além da óbvia questão da liberdade de expressão, alicerce do que concebemos como democracia, existem diversos estudos que apontam o atual fracasso do programa, como a brusca queda de audiência no respectivo horário. A população, através da mais eficiente avaliação que há (a demanda), evidencia a sua rejeição.



Existem diversos projetos de lei que buscam flexibilizar / acabar de vez com o referido programa, mas não é interessante a governo algum (seja ele tucano ou petista, antes que venham me criticar) aprovar tais iniciativas, pois ao Estado é extremamente benéfico ter em mãos tal ferramenta de propaganda. Uma vez mais, nós que saímos no prejuízo.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reforma Tributária: a hipocrisia declarada

Já faz alguns anos que se tornou lugar comum defender uma reforma tributária por aqui. Especialistas (tanto economistas como juristas ou sociólogos) já cansaram de expor seus argumentos, sendo o tema volta e meia levantado pela mídia. Até o governo, seja por declarações de membros do Executivo ou do Legislativo, já chegaram a reconhecer isso, ainda que não tenhamos visto qualquer esforço significativo para se resolver o problema. Nada surpreendente, tratando-se do governo brasileiro - é muita retórica para pouca prática.

Particularmente, acredito que a aprovação da lei 12.741/2012 (também conhecida como ‘De Olho no Imposto’), que tem como objetivo tornar claro à população, através dos documentos fiscais ou equivalentes, o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais que estão sendo arrecadados, tenha sido um belo avanço. Afinal, acredito que, vendo rotineiramente a elevada parcela que se paga ao Estado, os cidadãos comecem a cobrar e pressionar ainda mais pela necessária reforma tributária.

Procurando mais informações sobre a lei, eis que me deparo com um projeto de Decreto regulamentador dessa norma, submetidos à apreciação da Presidente Dilma pelos Ministro de Estado da Fazenda e Ministro de Estado da Justiça, Guido Mantega (uma lástima, diga-se de passagem) e José Eduardo Cardozo, respectivamente. As justificativas do decreto seriam cômicas, se não fossem trágicas.

Quando ao dispositivo da lei que exige que conste na nota fiscal o valor estimado dos tributos federais, estaduais e municipais separadamente (o que permite ao cidadão que saiba a qual ente federativo direcionar suas críticas), fez-se o seguinte comentário: “Devido à complexidade do sistema tributário nacional, inviável será fazer a estimativa dos valores dos tributos federais, estaduais e municipais, separadamente”. 

Quanto à referida estimativa do valor dos tributos, há dispositivo que admite uma margem de erro no cálculo corresponde a 10% (dez por cento). Teceu-se o seguinte comentário sobre o mesmo: “Contrário, pois como se trata de valor aproximado, não é possível estimar uma margem de erro, já que o sistema tributário brasileiro é complexo”. Ora, se estamos falando de uma estimativa, deve-se ter o mínimo compromisso com a precisão, sendo uma margem de erro de 10% bem razoável! Querem errar à vontade?!

Enfim, além deste ponto, evidencia-se que o próprio governo reconhece a complexidade da carga tributária nacional, ao ponto de inviabilizar que se calcule o peso dela no preço final do produto. Agora imagine o trabalho que isso dá aos empresários brasileiros, que precisam recolher esses impostos e prestar contas - naturalmente, gasta-se muito com contadores e advogados tributaristas, o que eleva ainda mais os gastos das empresas e, consequentemente, o valor final repassado ao consumidor.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma crítica espontânea às normas programáticas


            
Segundo Paulo Gustavo Monet Branco, as normas programáticas são aquelas que “traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico”¹. Mesmo que de forma discreta, há aqui uma escolha político-ideológica quanto ao papel do Estado e das políticas públicas, deixando clara a propensão dirigente de nossa Constituição.

            A finalidade desse conjunto de normas é o de conduzir nossa sociedade a uma outra previamente idealizada e objetivamente melhor, na qual o bem comum - entendido este como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, conceito do Papa João XXIII e reproduzido por Dalmo Dallari² - seria plenamente concretizado. O problema é que existem diversas complicações quanto a isso, tanto teóricas quanto práticas. Só se se torna possível planejar essa sociedade ideal se considerarmos, objetivamente, que certos valores são essenciais e imprescindíveis, o que vai de encontro às visões subjetivas de mundo e as diferentes aspirações que os indivíduos possuem; cada um possui seus objetivos particulares e um conceito próprio de felicidade. Não são meras peças de xadrez que um planejador central – o Estado – possa dispor como bem entender.

            Esse trabalho de planejamento social, chamado por Friedrich August von Hayek de Racionalismo Construtivista³, falha por pressupor que seja possível ao planejador conhecer todos os fatores e eventuais variáveis necessárias à consecução do projeto. Infelizmente, ou não, a realidade é que a onisciência é negada à humanidade, o que torna essa construção uma mera miragem. Não é surpreendente então a ineficácia generalizada dessas normas, como se pode facilmente conferir no disposto sobre o salário-mínimo no Art. 7º, IV da CRFB/88, que deveria ser um direito do trabalhador “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Podemos ir ainda mais longe e mostrar que ela só não é cumprida, como também é contrariada quando o reajuste do mesmo é abaixo da inflação e, consequentemente, reduz o poder aquisitivo deste assalariado; foi o que aconteceu em 2011.

            Existem razões de ordem político-econômica para esse efeito. Economicamente, o Brasil não possui condições para impor um salário que satisfaça todas essas necessidades previstas na norma sem que o mercado do país quebre; politicamente, existem forças e lobbies que também embarreiram a questão. É exatamente com relação a isso que F.A. Hayek afirma que o conhecimento humano é, na melhor das hipóteses, fragmentário e sujeito às imperfeições de nossa percepção; o que nos remete uma vez mais à impossibilidade do planejamento centralizado.  Pensar diferente seria o que o autor define como pretensão do conhecimento.

            Portanto, verdadeiramente justa é a ordem espontânea, na qual cada indivíduo pondera as suas prioridades – o que é competência exclusiva dele – e cria seu projeto de vida, com seus objetivos próprios e seu conceito singular de felicidade. Cabe então ao Direito assegurar que os indivíduos poderão buscá-los em paz, sem priorizar nem beneficiar qualquer um deles. Posicionamento que pode, sem dúvidas, ser sintetizado nessas palavras:

“Defender a liberdade não significa opor-se à organização, que constitui um dos meios mais poderosos que a razão pode empregar, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou monopólica, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem apresentar melhores soluções”.


¹ MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 73. 
² DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 91.
³ O conceito consiste na crença dos planejadores centrais de que eles poderiam conhecer todos os fatores sociológicos a partir da razão e assim definir não só a sociedade ideal, mas também o processo para alcançá-la. Essa teoria começou com Descartes e foi posteriormente aprimorada por Marx e Hegel. HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.
4  HAYEK, F. A. Os Fundamentos da Liberdade. São Paulo: Visão, 1983, p.36.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pedágios: o que a gente vê?


Abro o Globo.com e vejo logo na capa a seguinte notícia: “Governador de SP suspende reajuste do pedágio nas rodovias estaduais”. Lamento aquilo que a maioria certamente está comemorando.

Como informado no próprio corpo da notícia, o reajuste já estava contratualmente marcado para o dia 1º de Julho. Além disso, o valor do reajuste também estava contratualmente combinado, sendo o IGP-M (que calculou a inflação acumulada em 12 meses em 6,22%).

O respeito aos contratos é essencial para a segurança econômica do país, já que os investidores apenas se sentem tranquilos para aportar seu dinheiro por aqui quando estão certos de que o combinado será cumprido e as regras do jogo serão respeitadas. Esse princípio, além de muito antigo (não a toa, está consagrado no brocardo latino pacta sunt servanda) é essencial na práxis comercial, sendo um requisito para a eficácia de todo o sistema.

Assim, sabendo o governo que não pode apenas ignorar o reajuste, já que isso resultaria em ações judiciais nas quais certamente sairia derrotado, ele contorna a situação negociando com as concessionárias – as quais possuem os contratos ao seu lado, cabendo-lhes aceitar os acordos apenas se os considerarem mais benéficos. Naturalmente, podem acreditar que quem sai perdendo não é o governo nem as empresas nesses acordos.

Por exemplo, vejamos uma das medidas acordadas para se compensar o prejuízo: “O governo pretende repor a perda de receitas com a cobrança do número de eixos dos caminhões - atualmente, os veículos podem suspender alguns eixos durante a parada nas praças de pedágio”. Parece apenas um detalhe, mas os veículos pesados respondem por até 80% da arrecadação de algumas rodovias – ou seja, essa cobrança extra quanto aos eixos certamente será uma bolada!

Por que o governo topa isso? Simples, são poucos caminhões e muitos carros, sendo que estes condutores ficarão bem felizes em não ver o seu pedágio mais caro e menos irritados com o governo de São Paulo (bingo!, aí sim vi vantagem eleitoral). Obviamente, são bobos e ingênuos, pois Frédéric Bastiat já nos ensinou que a economia é “o que se vê e o que não se vê”. Neste caso, o que não estamos vendo?

Não estamos vendo que o transporte rodoviário é o mais importante deste país, sendo que o aumento da cobrança desses pedágios será embutido dentro dos custos dos produtos e repassado ao consumidor final: eu, tu, eles, nós, vós, eles. No final, a gente que sempre paga a conta mesmo.

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