Primeiramente, tenhamos em vista,
dentro da perspectiva liberal, um pressuposto: a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor é intrinsecamente ruim, pois interfere diretamente em um dos seus
básicos pilares, o da troca livre. Pressupõe-se a existência de partes
hipossuficientes em relações voluntárias e que elas devem ser protegidas através
de benefícios e regulamentações advindas do Estado e seu planejamento central.
No momento, ter-se-á como premissa que essas intervenções não geram valor nem protegem ninguém.
O
objetivo aqui é analisar a recente criação[1]
das Câmaras Especializadas em Direito do Consumidor no Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Naturalmente, seriam competentes esses órgãos para
apreciar as causas que versem sobre Direito do Consumidor, o que nos leva direto
a seguinte questão: como funcionaria esse recorte? Nada contra a especialização
do Judiciário em segmentos (o que, de forma geral, parece uma idéia potencialmente
benéfica), mas não se pode ignorar os desdobramentos dessa lógica ao caso em
comento.
O
primeiro passo é recorrer ao próprio CDC para procurar as suas definições sobre
os principais conceitos do direito consumerista, o que já é, destarte,
preocupante. Posto que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; fornecedor é toda é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços; produto é qualquer bem, móvel ou imóvel,
material ou imaterial, e; serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, percebe-se a abrangência e abertura textual dos mesmos.
Assim, combinando-se
esta opção legislativa ao fato de que quase tudo no mundo contemporâneo
constitui consumo, o desastre estava anunciado: na primeira semana de
funcionamento da nova organização judiciária, apurou-se distribuição média de
24 processos para os Desembargadores das Câmaras Especializadas e de 03
processos para os Desembargadores das Câmaras Cíveis[2].
Por óbvio, algo de errado e inviável a nível prático, mas mesmo a teoria aqui se
revela preocupante.
Com tantos
processos sendo distribuídos ou tendo sua competência declinada para as Câmaras
especializadas, nas quais se percebe a preponderância da aplicação do CDC - mesmo
em causas complexas que atraem a si a aplicação de diferentes legislações -, quantos
casos não estão tomando rumos diferentes do usual? Preocupante perceber o
avanço da interferência estatal nas trocas voluntárias através da crescente
aplicação de um código tão interventor como é o CDC nos mais diversos e
diferentes campos da sociedade.