"Laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même"

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma crítica espontânea às normas programáticas


            
Segundo Paulo Gustavo Monet Branco, as normas programáticas são aquelas que “traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico”¹. Mesmo que de forma discreta, há aqui uma escolha político-ideológica quanto ao papel do Estado e das políticas públicas, deixando clara a propensão dirigente de nossa Constituição.

            A finalidade desse conjunto de normas é o de conduzir nossa sociedade a uma outra previamente idealizada e objetivamente melhor, na qual o bem comum - entendido este como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, conceito do Papa João XXIII e reproduzido por Dalmo Dallari² - seria plenamente concretizado. O problema é que existem diversas complicações quanto a isso, tanto teóricas quanto práticas. Só se se torna possível planejar essa sociedade ideal se considerarmos, objetivamente, que certos valores são essenciais e imprescindíveis, o que vai de encontro às visões subjetivas de mundo e as diferentes aspirações que os indivíduos possuem; cada um possui seus objetivos particulares e um conceito próprio de felicidade. Não são meras peças de xadrez que um planejador central – o Estado – possa dispor como bem entender.

            Esse trabalho de planejamento social, chamado por Friedrich August von Hayek de Racionalismo Construtivista³, falha por pressupor que seja possível ao planejador conhecer todos os fatores e eventuais variáveis necessárias à consecução do projeto. Infelizmente, ou não, a realidade é que a onisciência é negada à humanidade, o que torna essa construção uma mera miragem. Não é surpreendente então a ineficácia generalizada dessas normas, como se pode facilmente conferir no disposto sobre o salário-mínimo no Art. 7º, IV da CRFB/88, que deveria ser um direito do trabalhador “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Podemos ir ainda mais longe e mostrar que ela só não é cumprida, como também é contrariada quando o reajuste do mesmo é abaixo da inflação e, consequentemente, reduz o poder aquisitivo deste assalariado; foi o que aconteceu em 2011.

            Existem razões de ordem político-econômica para esse efeito. Economicamente, o Brasil não possui condições para impor um salário que satisfaça todas essas necessidades previstas na norma sem que o mercado do país quebre; politicamente, existem forças e lobbies que também embarreiram a questão. É exatamente com relação a isso que F.A. Hayek afirma que o conhecimento humano é, na melhor das hipóteses, fragmentário e sujeito às imperfeições de nossa percepção; o que nos remete uma vez mais à impossibilidade do planejamento centralizado.  Pensar diferente seria o que o autor define como pretensão do conhecimento.

            Portanto, verdadeiramente justa é a ordem espontânea, na qual cada indivíduo pondera as suas prioridades – o que é competência exclusiva dele – e cria seu projeto de vida, com seus objetivos próprios e seu conceito singular de felicidade. Cabe então ao Direito assegurar que os indivíduos poderão buscá-los em paz, sem priorizar nem beneficiar qualquer um deles. Posicionamento que pode, sem dúvidas, ser sintetizado nessas palavras:

“Defender a liberdade não significa opor-se à organização, que constitui um dos meios mais poderosos que a razão pode empregar, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou monopólica, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem apresentar melhores soluções”.


¹ MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 73. 
² DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 91.
³ O conceito consiste na crença dos planejadores centrais de que eles poderiam conhecer todos os fatores sociológicos a partir da razão e assim definir não só a sociedade ideal, mas também o processo para alcançá-la. Essa teoria começou com Descartes e foi posteriormente aprimorada por Marx e Hegel. HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.
4  HAYEK, F. A. Os Fundamentos da Liberdade. São Paulo: Visão, 1983, p.36.

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