"Laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même"

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reforma Tributária: a hipocrisia declarada

Já faz alguns anos que se tornou lugar comum defender uma reforma tributária por aqui. Especialistas (tanto economistas como juristas ou sociólogos) já cansaram de expor seus argumentos, sendo o tema volta e meia levantado pela mídia. Até o governo, seja por declarações de membros do Executivo ou do Legislativo, já chegaram a reconhecer isso, ainda que não tenhamos visto qualquer esforço significativo para se resolver o problema. Nada surpreendente, tratando-se do governo brasileiro - é muita retórica para pouca prática.

Particularmente, acredito que a aprovação da lei 12.741/2012 (também conhecida como ‘De Olho no Imposto’), que tem como objetivo tornar claro à população, através dos documentos fiscais ou equivalentes, o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais que estão sendo arrecadados, tenha sido um belo avanço. Afinal, acredito que, vendo rotineiramente a elevada parcela que se paga ao Estado, os cidadãos comecem a cobrar e pressionar ainda mais pela necessária reforma tributária.

Procurando mais informações sobre a lei, eis que me deparo com um projeto de Decreto regulamentador dessa norma, submetidos à apreciação da Presidente Dilma pelos Ministro de Estado da Fazenda e Ministro de Estado da Justiça, Guido Mantega (uma lástima, diga-se de passagem) e José Eduardo Cardozo, respectivamente. As justificativas do decreto seriam cômicas, se não fossem trágicas.

Quando ao dispositivo da lei que exige que conste na nota fiscal o valor estimado dos tributos federais, estaduais e municipais separadamente (o que permite ao cidadão que saiba a qual ente federativo direcionar suas críticas), fez-se o seguinte comentário: “Devido à complexidade do sistema tributário nacional, inviável será fazer a estimativa dos valores dos tributos federais, estaduais e municipais, separadamente”. 

Quanto à referida estimativa do valor dos tributos, há dispositivo que admite uma margem de erro no cálculo corresponde a 10% (dez por cento). Teceu-se o seguinte comentário sobre o mesmo: “Contrário, pois como se trata de valor aproximado, não é possível estimar uma margem de erro, já que o sistema tributário brasileiro é complexo”. Ora, se estamos falando de uma estimativa, deve-se ter o mínimo compromisso com a precisão, sendo uma margem de erro de 10% bem razoável! Querem errar à vontade?!

Enfim, além deste ponto, evidencia-se que o próprio governo reconhece a complexidade da carga tributária nacional, ao ponto de inviabilizar que se calcule o peso dela no preço final do produto. Agora imagine o trabalho que isso dá aos empresários brasileiros, que precisam recolher esses impostos e prestar contas - naturalmente, gasta-se muito com contadores e advogados tributaristas, o que eleva ainda mais os gastos das empresas e, consequentemente, o valor final repassado ao consumidor.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Uma crítica espontânea às normas programáticas


            
Segundo Paulo Gustavo Monet Branco, as normas programáticas são aquelas que “traçam metas, programas de ação e objetivos para as atividades do Estado nos domínios social, cultural e econômico”¹. Mesmo que de forma discreta, há aqui uma escolha político-ideológica quanto ao papel do Estado e das políticas públicas, deixando clara a propensão dirigente de nossa Constituição.

            A finalidade desse conjunto de normas é o de conduzir nossa sociedade a uma outra previamente idealizada e objetivamente melhor, na qual o bem comum - entendido este como “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”, conceito do Papa João XXIII e reproduzido por Dalmo Dallari² - seria plenamente concretizado. O problema é que existem diversas complicações quanto a isso, tanto teóricas quanto práticas. Só se se torna possível planejar essa sociedade ideal se considerarmos, objetivamente, que certos valores são essenciais e imprescindíveis, o que vai de encontro às visões subjetivas de mundo e as diferentes aspirações que os indivíduos possuem; cada um possui seus objetivos particulares e um conceito próprio de felicidade. Não são meras peças de xadrez que um planejador central – o Estado – possa dispor como bem entender.

            Esse trabalho de planejamento social, chamado por Friedrich August von Hayek de Racionalismo Construtivista³, falha por pressupor que seja possível ao planejador conhecer todos os fatores e eventuais variáveis necessárias à consecução do projeto. Infelizmente, ou não, a realidade é que a onisciência é negada à humanidade, o que torna essa construção uma mera miragem. Não é surpreendente então a ineficácia generalizada dessas normas, como se pode facilmente conferir no disposto sobre o salário-mínimo no Art. 7º, IV da CRFB/88, que deveria ser um direito do trabalhador “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Podemos ir ainda mais longe e mostrar que ela só não é cumprida, como também é contrariada quando o reajuste do mesmo é abaixo da inflação e, consequentemente, reduz o poder aquisitivo deste assalariado; foi o que aconteceu em 2011.

            Existem razões de ordem político-econômica para esse efeito. Economicamente, o Brasil não possui condições para impor um salário que satisfaça todas essas necessidades previstas na norma sem que o mercado do país quebre; politicamente, existem forças e lobbies que também embarreiram a questão. É exatamente com relação a isso que F.A. Hayek afirma que o conhecimento humano é, na melhor das hipóteses, fragmentário e sujeito às imperfeições de nossa percepção; o que nos remete uma vez mais à impossibilidade do planejamento centralizado.  Pensar diferente seria o que o autor define como pretensão do conhecimento.

            Portanto, verdadeiramente justa é a ordem espontânea, na qual cada indivíduo pondera as suas prioridades – o que é competência exclusiva dele – e cria seu projeto de vida, com seus objetivos próprios e seu conceito singular de felicidade. Cabe então ao Direito assegurar que os indivíduos poderão buscá-los em paz, sem priorizar nem beneficiar qualquer um deles. Posicionamento que pode, sem dúvidas, ser sintetizado nessas palavras:

“Defender a liberdade não significa opor-se à organização, que constitui um dos meios mais poderosos que a razão pode empregar, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou monopólica, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem apresentar melhores soluções”.


¹ MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 73. 
² DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 91.
³ O conceito consiste na crença dos planejadores centrais de que eles poderiam conhecer todos os fatores sociológicos a partir da razão e assim definir não só a sociedade ideal, mas também o processo para alcançá-la. Essa teoria começou com Descartes e foi posteriormente aprimorada por Marx e Hegel. HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1994.
4  HAYEK, F. A. Os Fundamentos da Liberdade. São Paulo: Visão, 1983, p.36.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pedágios: o que a gente vê?


Abro o Globo.com e vejo logo na capa a seguinte notícia: “Governador de SP suspende reajuste do pedágio nas rodovias estaduais”. Lamento aquilo que a maioria certamente está comemorando.

Como informado no próprio corpo da notícia, o reajuste já estava contratualmente marcado para o dia 1º de Julho. Além disso, o valor do reajuste também estava contratualmente combinado, sendo o IGP-M (que calculou a inflação acumulada em 12 meses em 6,22%).

O respeito aos contratos é essencial para a segurança econômica do país, já que os investidores apenas se sentem tranquilos para aportar seu dinheiro por aqui quando estão certos de que o combinado será cumprido e as regras do jogo serão respeitadas. Esse princípio, além de muito antigo (não a toa, está consagrado no brocardo latino pacta sunt servanda) é essencial na práxis comercial, sendo um requisito para a eficácia de todo o sistema.

Assim, sabendo o governo que não pode apenas ignorar o reajuste, já que isso resultaria em ações judiciais nas quais certamente sairia derrotado, ele contorna a situação negociando com as concessionárias – as quais possuem os contratos ao seu lado, cabendo-lhes aceitar os acordos apenas se os considerarem mais benéficos. Naturalmente, podem acreditar que quem sai perdendo não é o governo nem as empresas nesses acordos.

Por exemplo, vejamos uma das medidas acordadas para se compensar o prejuízo: “O governo pretende repor a perda de receitas com a cobrança do número de eixos dos caminhões - atualmente, os veículos podem suspender alguns eixos durante a parada nas praças de pedágio”. Parece apenas um detalhe, mas os veículos pesados respondem por até 80% da arrecadação de algumas rodovias – ou seja, essa cobrança extra quanto aos eixos certamente será uma bolada!

Por que o governo topa isso? Simples, são poucos caminhões e muitos carros, sendo que estes condutores ficarão bem felizes em não ver o seu pedágio mais caro e menos irritados com o governo de São Paulo (bingo!, aí sim vi vantagem eleitoral). Obviamente, são bobos e ingênuos, pois Frédéric Bastiat já nos ensinou que a economia é “o que se vê e o que não se vê”. Neste caso, o que não estamos vendo?

Não estamos vendo que o transporte rodoviário é o mais importante deste país, sendo que o aumento da cobrança desses pedágios será embutido dentro dos custos dos produtos e repassado ao consumidor final: eu, tu, eles, nós, vós, eles. No final, a gente que sempre paga a conta mesmo.

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